domingo, 6 de janeiro de 2013


A cor de um pensamento
Quando eu era criança sentia que o quartinho em que dormia era meu esconderijo secreto.Ainda me soa estranho ficar me referindo à minha infância no pretérito,mas a verdade é que já alguns anos e outros fatos me separam dela.Nem durmo mais naquele quarto,não vou tanto quanto gostaria a aquela casa,tem tempo que não retorno à cidade.Talvez a casa em si se mantenha como um refúgio assim mas eu soube desde o dia que fui embora que o quartinho deixara de ser mágico no momento em que o desocupei.
Naquele comodozinho aconchegantemente apertado eu tive mil sonhos,alguns pesadelos,mas nunca medo do escuro.Sempre gostei do escuro,talvez porque o guarda roupa ficava bem em frente para minha cama e os muitos adesivos que colei em suas portas só brilhavam com as luzes apagadas.Eram figurinhas de estrelas e planetas,tecia a ilusão de fazer todas as noites viagens ao céu.Pensava que não conseguiria dormir sem o brilho fosforescente dos pequenos astros pregados ao guarda roupa velho.Nunca mais achei adesivos como aqueles,também nunca mais procurei.
Do meu tempo de criança carrego muitas lembranças,pessoas,cicatrizes na perna e manias malucas,mas quase nenhum objeto.Fotos são o que de mais material possuo do passado,depois de saudade.Honestamente fico contente das coisas serem assim como são,recicláveis,feitas para serem trocadas ou mudadas conforme as épocas e as fases.Menos as memórias,elas são tão eternas quanto uma vida.Não são para sempre,mas são para o nosso sempre,são pra toda nossa breve duração e isso já é o bastante.
Comparando a imagem do espelho com a da menininha sorridente da fotografia,quase poderia dizer que não se tratam da mesma pessoa.Só sei que sou um pouco de ambas porque me mexo e o espelho imita o meu gesto,e o narizinho arrebitado da pessoinha na imagem congelada eu conheço muito bem.
Ainda gosto do escuro,quem me dera pudesse escrever em sua companhia,ele sempre cheio de boas ideias.Alguém me disse uma vez que isso era estranho de minha parte,que o breu de que tanto gosto remete à solidão.Não respondi nada mais que um sorriso,mas gostaria de ter lhe dito que a escuridão nada tem haver com estar sozinho,bem pelo contrário.Poucos sabem que a solidão é na verdade transparente e se infiltra principalmente em meio a multidões.Nem luz,tão pouco a sua ausência,é apenas invisivelmente perturbadora.
Pudera poder voltar a acreditar que as sombras de um quarto fechado me faziam segura.A noite agora nada mais é que o intervalo entre um dia e outro.Mas sem nem perceber,toda vez que preciso refletir sobre algo fecho as portas e apago as luzes.Não pra ficar sozinha,quando era mais nova não entendia,mas no escuro posso enxergar meus pensamentos.

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