terça-feira, 30 de agosto de 2016

Lá do Norte

O olho encheu de lágrima, é notícia que vem lá de cima, Norte do Brasil, mesmo Brasil que neste exato momento acaba de sentir na pele o repetir de fatos sórdidos assim travados por puro oportunismo. Mas dessa vez eu to falando de outros golpes, uns mais íntimos, mais pessoais, talvez por desabafo, mas creio que mais porque atos políticos e apolíticos tem me deixado de saco cheio.
O que eu digo? Deixei acontecer, pedi na verdade, pode ser possível presumir que implorei de fato no escuro do meu quarto, por tudo o que aconteceu. O coração trinca meus caros, mas rachadura pouca não trava batimento, e a gente segue de pulsar em pulsar vivendo assim mesmo, sem entender porque nosso querer tem tanto de masoquista algumas vezes.
Eu consolei, quis bem, abracei. Aceitei abraço, apoio, amasso. Fechei olhos, entreabri os lábios, deixei escapar suspiros, abri os braços e revelei meus pontos mais escondidos, pra agonizar de prazer e depois de solidão.  
Mas é o que, eu que não deixo de viver, nem de errar e acertar o quanto puder, tentando encontrar melhores chances, momentos e tons. E este buraco negro que se ocupou e depois tornou a atrair tudo o mais pra si ignoro o quanto puder.
É que eu agradeço por ser recíproco este querer, mas se eu deixar de confessar, nem que seja só pra mim mesma, que a existência de um sentimento maior que a mim não chega, dói o peito, que quer tanto bem que finge que não viu e segue com seus planos.
Irônico, como todo desenrolar dos fatos, qual deve ser o propósito deste relato além de enxugar as lágrimas que não chego a verter porque o momento é inapropriado, e não tem mais ninguém pra me dizer o que preciso.
Agora agüenta. Agora agüenta. Agora arruma suas coisas e tenta pegar essa zebra que vai até a rodoviária já com os trocados na mão do metrô, que o limite mensal do passe livre já expirou, mas este mês tá por um triz, com sorte esta sensação ingrata também esteja.
Ai! Bem feito. E foi mesmo. Assim com esmero suficiente pra misturar a imaginação e a realidade em repentes, que se o pensamento toca, o corpo já ameaça querer se entorpecer. Vou sustentar, anseios animalescos, sentimentos sem pretexto, lembrança que não se registra na memória desta vida. É a alma que me faz sentir? É a mente que quer me iludir? É o ventre que até que enfim, se preencheu com o carinho de que fora privado e se privou por tanto tempo?

Meu juízo não faz júz ao tipo de ser humano que eu sou, perito em palavras, leigo no amor. Coração partido que se oferece de bandeja pro causador do choque cozer o dano, sou o pior tipo de poeta quando amo, vomito poemas e cogito planos, pra encher o universo de besteiras que eu não sei sentir.

Um pouco de fumaça

Quantos pensamentos cabem no tragar de um cigarro? Me faço essa pergunta mentalmente, enquanto acendo um que acabei de adquirir na banca aqui bem em frente ao trabalho. Antes não tivesse descoberto a existência da banca e de local mais fortuito pra devanear no meio de um expediente morno em véspera de coisas maiores, mas enfim, descobri, e troquei uma moeda de um real, enfiada na bolsinha de palha, num careta de desculpa pra alguma distração qualquer.
Penso no livro que estou lendo, ‘’A consciência de Zeno’’, e do que o próprio Zeno, personagem principal e fumante, diria agora sobre o fumo, incitando por ora o vício, por ora afastando-o. Tem certa graça. Para Zeno parte importante dos cigarros que fumava eram sempre os últimos, monte deles, aquele me soou assim também. Apesar de não ter sido.
 Mas depois penso no Trump que semana passada liderava as intenções de votos, mas que graças a Deus essa semana a Hillary já subiu novamente, o que me obriga a um suspiro cheio de fumaça, e fico achando que o mundo de certa feita está um pouco menos perdido.
Penso na loucura da França e dos atentados de que tem sido alvo, e naquele comentário do professor que o país corre um severo risco de tornar-se mulçumano dentro em breve. Partidos de extrema direita de um lado, facções terroristas islâmicas do outro. Trago, com medo, mas por sorte lembro a notícia que dizia de mulçumanos que assistiram missas a fim de demonstrar que sua religião nada tem a ver com essas pavorosas ondas de terror. Mais um suspiro esfumaçado.
Penso nas visitas gostosas que andei recebendo em casa, e como já deixam saudade, do final de semana que me pôs a assistir o sol se por e nascer, sem nem pensar em fechar os olhos, só apreciar o espetáculo de mais uma rotação terrestre.
Me indago sobre o prazo demasiadamente prolongado dessa greve dos metroviários; recordo que o salário já deve ter caído, contas pra pagar, lugares que quero ir, coisas a agradecer, a fazer, a resolver, como tentar enfim. Nunca pegarei o jeito certo (assim espero) de fazer caírem as cinzas do cigarro, mas insisto numas batidinhas trôpegas pra ver a matéria queimada cair no chão.
E aí me vem o pensamento àquele moço que está longe, parece que acordo bem neste momento. Jogo a bituca no chão; segundo mau hábito descrito, pensando bem talvez o terceiro; e piso em cima mais por mania que pra apagar de fato a última chama tímida que restou. E me ajeito pra voltar, pra expedientes, tédio, seja lá o que for. Cigarros e pensamentos picados e seus efeitos sobre a tensão na minha nuca.
É que pensar nele me custaria moedas que não tenho, pra cigarros que não penso em fumar, os pulmões em brasa e todo o resto do peito também, e a saudade que vem junto do som do seu nome na minha cabeça. Eu perderia as horas, as contas, talvez até o ônibus pra voltar pra casa. Mesmo que eu quisesse ,tenho de evitar seu pensamento pra me recompor e seguir vivendo por aí.

E sigo como se nada tivesse acontecido, e se chegar a sentir culpa, paro um pouco e me engano, dizendo que quase não fumo e que quase não amo, como se de pouco em pouco a gente não se matasse do melhor  jeito que escolheu pra si.

Senhora de mim

A primeira vez que alguém me chamou de senhora, sem ser pra fazer piada ou ironia, ao telefone ou para me oferecer algum serviço, causou-me súbito estranhamento. Meditei o título até me dar conta de que era pura questão de respeito, a verdade absoluta me alcançou sincera: eu era senhora de mim mesmo.
O que me faz senhora não são os anos que não acumulo, visto a pouca idade que tenho, pois se partir deste mundo agora, já partirei senhora do mesmo jeito. Ser senhora não é um vocativo que pra atingir necessite um senhor primeiro, de um par que nem sei se foi escrito ou se se escreverá de me incluir, sozinha já sou um ser inteiro.
Fui senhora desde a concepção, desde os primeiros caracteres que definiram meu formato neste plano como ser vivo, humano, de gênero feminino e livre pensamento. A primeira vez que gozei da sorte de respirar oxigênio sem o auxílio de uma outra senhora que me deu alento.
Dona dos meus erros, portadora de mil singulares defeitos, sujeito ativo e passivo dos próprios êxitos, portadora única e intransferível dos pertencentes atos, digitais e sentimentos.
Fui senhora na primeira vez que me entreguei de corpo, mente e alma ao afeto de outro ser e dediquei-lhe atenções e apreço, e na última vez que veio-me o amor chacoalhar o balanço de meu coração, silhueta e pensamentos, senhora de mim permaneci sendo.
Só ao meu comando é que se movem estes pés que me sustentam de estradas, lutas e horizontes que jamais outro alguém poderia percorrer por mim e à minha maneira . As batalhas são únicas, a combinação dos genes irrepetível, a posse da matéria individual, e a alma poeira de astros e de luz que é comum a todos os seres, e dentro de um, forma o indivíduo.
Não abro mão de ser senhora dessa vida com o qual o criador presenteou-me por um tempo.
À todas as mulheres a quem esta mensagem chegar, servir, fazer morada: queridas, as senhoras são destruidoras mesmo. Nós somos. Todas nós.