domingo, 19 de abril de 2015

Cápsula do tempo

E desde o primeiro segundo eu lancei um desafio à minha memória, de tentar guardar das cenas os mínimos dos mínimos detalhes, tentei roubar um pouco do azul do céu para minhas lembranças, imprimi os cheiros de mato e de terra, prestei atenção no canto alvoroçado dos passarinhos. Eu nem sabia, mas acho que era exatamente disso que precisava.
Respirar ar puro depois de tanto tempo, deixar os cabelos se embaraçarem a vontade ao sabor do vento, aquele momento de retorno ao cerrado , que é de onde eu vim, pra tentar me afirmar do que é que estou fazendo da minha vida_ e não achem que descobri, mas bem, novos ânimos para tentar de novo_.
Éramos um casal de amigos, e uma cadelinha amarela e branca, saltitando atrás da vegetação que eu não exagero ao dizer que me ultrapassava em altura. Um sol daqueles em cima da cabeça, e juro que mesmo o contato da pele com todo aquele verde, e o suor quente na nuca, não eram incômodos, nem mesmo a demora, o tempo, sequer a noite passada e seus fantasmas.
Poucas vezes na vida me senti tão livre, e também foi uma daquelas raras oportunidades que o mundo dá, pra que sejam por ora, esquecidos os problemas. Não importava o embrulho no meu estômago, e o sono que eu nem mesmo tivera, não importavam mais os medos, e o desespero que me assolara a tão pouco tempo atrás, éramos realmente nós três em um daqueles devaneios maravilhosos, em que tudo parece por um instante fazer todo o sentido.
Então após atravessar aquele matagal enfim chegamos à arvore, e me lembro de achar, logo que a avistei, que ela
era exatamente como eu a imaginava: enorme, gigantesca, larga e majestosa. Era alta, e seus galhos erma cheios de folhas, seu tronco circulado por cipós, suas raízes imensas emergiam da terra a longas distâncias, era uma árvore digna de uma história inteira, mas tive o privilégio de te-la em uma que compus também.
Me sentei junto dela, fitando o chão meio hipnotizada pela imersão da vida, abelhas se organizavam em uma colmeia _ e também em nossos cabelos,barulhentas e curiosas_ formigas faziam sua procissão a carregar pedaços de folhas, pássaros entoavam sua potência vocal, e quanto mais vida não devia haver naquele lugar, quantos detalhes eu sequer vi, mas naquele dia a beleza foi tanta, que eu finalmente me esqueci de mim, pra lembrar que existe um mundo inteiro zunindo em comando, isso de um jeito ou de outro, me dá vontade de me organizar e ir zumbir por aí também.
Algo tão inusitado, como ter uma das suas pessoas favoritas no mundo ao seu lado, carregando em uma mão uma inchada e na outra uma cadelinha pinscher, emprestaram a magia que me faltava pra recolocar nos olhos e enxergar direito. E ouvir direito. E sentir direito. E pensar (finalmente) o menos torto que minha mente podia permitir.
Colocamos nossas coisas dentro da caixa, eu coloquei mais que isso de mim na verdade, estou lá dentro ainda, uma parte de mim, que precisava de um tempo para repensar-se, ou talvez apenas para dormir, aquele pedaço que muita gente pode chamar de estragado, e eu vou insistir até o final de que ele está bem, só não pode continuar a existir em todo o restante do que eu sou. Não encaixa, não combina, não tem mais lugar pra ele, que fique lá e nem sequer cause saudades, nos veremos algum dia, talvez daqui há dez anos.
Caixa enterrada, fitas, mensagens, cartas, objetos, amuletos e o que mais se deve por direito colocar em uma capsula do tempo, aprisionar algo de si, pra ser mais por favor, que a gente veio nesse mundo pra crescer e não pra estagnar.
Foi liberdade, libertadora maneira de pular uma noite pesada, largar um pouco de si em algum canto obtuso da estrada, enterrar com barro, e cobrir com troncos secos, pra tentar salvar do tempo, por um tempo, se o tempo assim consentir.
Sorriso solto nos lábios, a coisa certa na hora exata, e na melhor companhia que o destino poderia me conceder. Livro de histórias, cena de filme, relato de alguém que quis experimentar, imaginação concretizada, sonho de menino, verdade daquelas melhores de lembrar.
E sim, acho que venci o desafio. Gratidão. Se eu fiz algum vínculo com o futuro que eu nem sei se tenho mas que já me tem, é porque a vida ainda me quer bem, e eu a quero exatamente assim também.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Nem todos os tempos são pra se medir, menino

Não levei muito tempo para descobrir como na verdade todos temos um pouco em comum, um pouco até demais diga-se de passagem. Eu, você, e alguém lá do outro lado do mundo, todos nós passamos por experiências únicas, e talvez tenhamos um infinitude de interpretações diferentes, baseadas em nossas culturas, nossas origens, e na maneira singular e irrepetível de como pensamos e ocupamos o mundo com nós mesmo.
Mas ademais de todas esses detalhes que nos compõe, e comumente nos fazem discordar e concordar acerca de muitos pontos, somos humanos no final. É, nós somos gente, e gente mesmo, de carne e osso, massa cinzenta, coração pulsante, e a necessidade insubstituível de respirar ar puro, beber água límpida e atravessar fronteiras. Sem isso vamos sucumbindo, pouco a pouco, negar isso a alguém é nega-lo como humano. Mas o que vim falar aqui hoje, não é a respeito dos direitos humanos como um todo, apesar de que, estes muito me interessam, e tenho o compromisso interno de respeitar e lutar por eles o quanto puder. O que vim falar hoje, é sobre uma real demanda humana, tantas vezes sucumbida pelo cotidiano, pela sociedade, ( pela modernidade?!) e por relações pesadas. Eu escolhi falar sobre o tempo.
Este tempo ao qual me refiro, não é aquele nosso velho conhecido que é marcado por horas, minutos e segundos; nem sobre fases especificamente, sobre eras, ou sobre a forma como usamos o rodopiar da própria Terra e da Lua para delimitar ciclos. Eu falo do tempo incontável, imprescindível e nada palpável, falo do tempo de cada um, o tempo que da mesma maneira que é cobrado de cada ser vivo no instante em que é gerado, também lhe é concedido, pra ser só eu, e respeitar somente as leis e os marcos de sua própria natureza.
As flores de maio, agora perto de florir, só nos dão o privilégio de sua companhia uma vez ao ano, por todo um mês. Os ipês de meu amado cerrado, aparecem prenunciando a primavera, e ficam conosco enquanto ela durar, cerca de três meses, e isto é uma estação. Mas ao contrário das flores, não sabemos o momento exato de florir, não nos foi dada a obrigação de corresponder a um ciclo, e ser verão ou outono em prazos pré-definidos e inquebráveis. Nós podemos florir por um ano inteiro, da mesma forma como pode chover em nós por anos e anos. Eu achei não conhecer um inverno rigoroso, mas meses atrás eu o vi em mim, e isso me fez feliz. Me fez feliz porque ser gelado é melhor do que ser deserto, e ter montes de neve em cima de um solo fértil e ávido por calor é só uma maneira da natureza, de renovar a vontade da terra de se reencontrar com o sol, e quando isso acontece ... eu não preciso dizer, mesmo pra nossa fauna que é poupada de neve, ver os pingos de água na terra sedenta, já é sentir o verde, que pela manhã já há de ressurgir. Eu soube naquele momento que voltar a florir era o inevitável, mas no momento certo.
Aos que muito esperam, por dias melhores, por oportunidades grandes, por um lugar no coração de alguém, ou pelo que quer que seja: não façam da sua impaciência um jeito de se impedir de ser feliz com o que já se tem. Tempos difíceis, crises e corações fechados, provavelmente eles não escolheram ser como são, e se pudessem deixariam de sê-lo o quanto antes. Lembro que quando menina, injuriada pela demora que minhas mudinhas faziam para crescer, minha mãe me disse para que conversasse com elas todos os dias, as regasse, colocasse ao sol pela manhã e acompanhasse calmamente seu desenvolvimento. Tão logo meus vasinhos estavam repletos de brotos.
Depois disso foi comigo, a vida inteira. Vigiar casulos por semanas, para pelo menos uma vez na vida ver o despertar de uma borboleta_e eu consegui_, aguardar resultados, insistir ''delicadamente'' em causas e pessoas.
Amor é deixar o tempo de cada um falar por si mesmo. É um direito que não se deve negar a ninguém. E eu que tão ansiosa e passional me flagro ás vezes, dou uma pausa ao mundo para dizer: sente-se aí, tome um café, e aguarde, depois de feita a sua parte, o tempo, aquele que é seu, se encarregará de todo o mais.