domingo, 28 de fevereiro de 2016

A conversa do chá

Aí você surge das sombras mais doces do passado e me pergunta o que é que eu tenho feito da minha vida, penso em milhares de acontecimentos e coisas em que poderia acabar te falando, mas tudo o que consigo dizer em um primeiro momento é que eu bebo chá. Não me leve a mal por isso, não é que eu não queira render o assunto ou que não queira conversar, eu poderia muito bem te dizer um algo mais, que encontrei um novo sabor, ‘’Vanilla da África’’, e que semana passada fiquei entre Manzanilla e gengibre com mel, que geralmente bebo o liquido sem colocar nada, mas dependendo do meu humor coloco um torrão de açúcar só pra dar um gostinho adocicado quando a xícara vai se esvaziando.
Não é que a minha vida esteja tão desinteressante a ponto de que uma bebida quente e meio amarga seja a parte mais sólida da minha rotina, e na verdade é exatamente o contrário. É que tem dias que eu não saio de casa, e em outros dias eu conheço várias pessoas, assisto uma aula de economia espanhola, vejo o sol se por na praia, caminho por ruas jamais então percorridas, vivo, escuto e presencio histórias dos mais diversos temas com personagens alguns mais familiares, outros um tanto quanto inusitados. Cada dia é um dia diferente. Eu como, ando, escuto, estudo, amadureço, eu rio, choro, canto e de vez em quando até escrevo, eu adoeço, me recomponho, danço, me atrevo, falo português, espanhol, inglês e arranho um galego, e o chá é uma das únicas certezas que eu tenho ao final do cada dia, como um dejavú diário que me serve pra pensar em tudo o que é que a vida tem feito de mim.
Me inscrevi em um curso de polonês, faço meditação as segundas feiras, junto meus trocados para provar um quitute novo na padaria da esquina, mas como é que eu vou te dizer detalhes, se o detalhe é que a gente a tanto tempo nem se vê. O que é que eu deveria te dizer? Que as temperaturas baixam gradativamente, e a chuva se repetem em algum momento ao longo de todas as tardes, ou que me espantam as noticias sobre essa espécie de guerra já nem tão mais silenciosa, feita em atos de terror, e isso me afeta tanto com medo e com tristeza? Será que melhor seria se eu lhe contasse sobre aquele céu estrelado que eu vi, numa cidadezinha por aí, com duas estrelas cadentes e as constelações a mostra, e que isso me fez me sentir a menor pessoa do mundo, e também a mais sortuda? Será que eu deveria comentar algo que aprendi sobre a cultura oriental, ou como afinal somos ,por todo esse planeta, mais parecidos do que poderíamos julgar, e que ainda assim, são as nossas diferenças o que mais chocam, entre surpresas e exclamações? Eu não sei, e a resposta do chá, volta a parecer a mais precisa e honesta que eu poderia lhe dar afinal.
A verdade é que muito me agradaria ter um pouco de você por algum dia, pra que enfim pudéssemos falar de coisas em comum. Poderíamos, por pelo menos um momento, dividir o mesmo espaço e o mesmo tempo, pra que essa conversa de como vai fosse menos verbal e mais direta, em que saberíamos o que dizer por que finalmente nossos universos seriam os mesmos, por algum tempo.

Mas você não vem, eu não vou, não há encontro, não sei como te contar o que a vida vem me propondo, e nem sequer posso lhe oferecer com muito gosto, uma xícara de chá quente antes de dormir.

Janelas, doenças e criados mudos

Eu não quero ser mais um vegetal no sofá da casa, qualquer coisa no lugar de uma almofada ou um pedaço estático de carne que imite um móvel contemporâneo pras visitas entrarem e perguntarem do que se trata. Eu não quero, não enquanto bombas e outras coisas explosivas acontecem do outro lado da janela, e a única janela que meu olhos fitam são de um website de vôos baratos e um achado do Google que diz o que se deve comer para frear a saída dos fluídos do corpo.
Mas é que as vezes as minhas dietas malucas se voltam contra mim, e o tempo muda, a temperatura baixa, e as bagunças externas que me tocam se juntam as internas que se tornam, moléstias e queixas do lado de dentro do meu umbigo, e a dor passa a ser uma companhia eventual.
Ficar doente é lembrar que o corpo é tão objeto quanto qualquer souvenir que se tenha guardado no criado mudo, que mesmo mudo vomita um caos pra fora, de coisas que não se comportam. Eu , e o criado mudo, não podemos mais com essas coisas esquisitas pedindo pra sair, e sem pestanejar nos abrimos ao deus-dará, cuspindo papéis e jantares de antes de ontem.
Essa carne da qual sou formada é mais fraca do que se supunha, mas não é de se jogar fora não, digas-se de passagem, eu subestimei essa existência mais uma vez, com toda juventude e tolice que pude, veio um ser microscópico me lembrar que eu sou tão pó quanto a sujeira que deixei acumular nas frestas externas da janela do quarto.
Me ligaram dizendo que é urgente! E o mundo vai se acabar se eu não tomar uma injeção, soro, cuidado, cuidado inclusive com aglomerações, que estão bombardeando Paris e detonando vales inteiros na minha casa, e onde quer que eu vá há risco de corrupção, desemprego, troca de tiros, de bactérias e de discursos de ódio. Se eu ficar ou for embora dá no mesmo, mas o que não me pode acontecer é deixar de beber três litros de água por dia, se não, já sabe.
Faz assim, se você passar por aqui, seja quem for, apaga a luz, que a dor de cabeça é de matar, queria poder culpar o vinho, mas a culpa é do organismo, que nem água e nem vinho querem segurar. Então como o silencio veio me assistir pelas ultimas horas, coloquei Smiths pra tocar, me esqueci como é ficar tanto tempo assim tão perto de alguém.
São esses contínuos e cretinos movimentos peristálticos, e o espelho pouco delicado mas muito sincero que me mostrou o rosto amarelo que eu vim a lembrar que é o meu.
Depois de três dias, vinte analgésicos, dezenas de copos de chá que infelizmente não são de borracheira, centenas de orações, simpatias e mandingas, me levanto da cama como quem levanta uma taça da copa, depois de 7 a 0 no campo do time rival. Eu estou bem, muito bem obrigada, e não te respondi as mensagens porque estava ocupada em não morrer, e ás vezes isso é tarefa que muito me demanda.

Eu não quero ser mais um vegetal na sala, que ouve noticias sórdidas do mundo e não pode fazer nada, e entre a árdua tarefa de descobrir em qual posição as fincadas são mais brandas ,reflete as questões desse acontecimento universal chamado humanidade. Pra bon sai e ermitão eu não sirvo, apesar de saber que seja com o mundo, ou seja comigo, a questão sempre estará na formação desnecessária e ininterrupta de merda.

Rabiscos no calendário

‘’ Eu adoro prazos. Gosto do som de ‘’ vuuussh ‘’ que fazem quando passam voando pela gente (Douglas Adams) ‘’.
Espero sinceramente que você tenha mais o que fazer do que ler este texto, mas se não tiver, obrigada por unir-se a mim nessa nua e crua perda de tempo, concordemos que é melhor que ser analfabeto, ou que fazer as correções de uma resenha para as normas da ABNT, ou que lavar a louça que acabei de sujar fazendo tirinhas de frango empanado ( estavam deliciosas!) ou que confessar que é sábado a noite e você está na frente de um computador por falta de coisa melhor pra fazer.
Sobre a frase, a do D. Adams, simplesmente acho que ela define a vida: esperar, esperar e esperar. É tudo que eu faço. A vida em si me sobrecarrega com prazos, e eu, sabe-se lá por costume ou por loucura, também tendo a eles, achando uma delícia grifar com marca texto datas no calendário, achando internamente que saber o que fazer em um dia que nem sei se vai mesmo chegar, é o mais próximo que posso chegar de decidir meu próprio destino, ou de prever o futuro. Mas nunca é igual, os planos do destino de verdade são mais bem elaborados do que o que nossas vãs mentes conseguem imaginar. Por que raios então continuamos estipulando o tempo como se ele fosse nosso, e não fossemos dele? Ingenuidade, meus caros, pura ingenuidade! (Doce ingenuidade que rege a vida dos homens).
Tenho travado uma luta diária com o relógio ( e quem não!?), hora de acordar, hora de dormir, hora de comer, hora de estudar, hora de trabalhar, ora essa, qual é a hora que me dá o direito legítimo de dizer que a posso gastar, sem que minha consciência se alarde, dizendo com aquela vozinha irritante:_’’ você tem muito o que fazer! Não devia estar aqui, volte logo pros livros, pros sustenidos, pros pensadores contemporâneos e também pros antigos, vá já pra casa, e não durma, não coma, e pelo amor de Deus, não morra!_’’

Tem sido assim, e pensando bem, ai de mim se não fosse, entre os prazos eu corro e me socorro, com o tédio não posso, Deus que me livre do ócio. E bem dizia o ditado que quem tem seus vícios que arque com seus artifícios, tempo meu eu que não tenho, prefiro que esta curta vaga que ás vezes aparece, seja dada aos amigos, aos filmes ,a família e aos livros ( e de vez em quando, mas não menos importante, ao mero exercício de perder o juízo) .

O amor alheio também é pra se sentir

E em meio a tantos acontecimentos simultâneos, no mundo inteiro e diante dos meus olhos, ainda roça uma vontade de, vez ou outra, parar tudo no mundo e falar das coisas do coração. Acho que o amor serve pra isso, pra despistar algum desentendimento interno, pra gente parar de falar sobre a crise, pros comentários se desvencilharem um pouco das ultimas noticias ruins. Porque o amor, é a única droga que ninguém em sã consciência lhe diria para resguardar, e tão pouco dar-se por inteiro. A ciência do amor é: a gente reclamando entre suspiros que é feliz de um jeito meio estranho, meio errado, meio bom demais pra descrever.
Gosto do amor. Gosto mesmo. Fiquei de mal uns tempos, mas aos poucos a gente vai se desculpando, vai se desprendendo também. Desprendendo sem esquecer. E sobre essa coisa de lembrar e não lembrar, me vi no fato de não ter um amor, mas na certeza de não ter esquecido como é, essa coisa toda de amar, etc e tal.
E se o amor já teve nome, sobrenome e endereço agora ele é menos e mais que isso: é simplesmente uma coisa que gruda nas pessoas em todos os lugares todos os dias, e que eu tenho dentro de mim, e desfruto dessa posse por mim mesma.
Não é que eu não vá mais nomear o amor _ sequer que  realmente voltarei a fazê-lo um dia_ , é só que me dei conta que me apaixono todos os dias por idéias, me desiludo as vezes com  minhas expectativas, tenho afetos, nuances, historias, e tenho até de quem falar se um dia me perguntarem sobre fins da tarde, filmes jamais assistidos e segredos descobertos (sobre cobertas, historias e tempo).
Eu só tenho um amor que nem amo. Me atenho ao substantivo do afeto, sem conjugar sua ação enquanto verbo. Amor não é amar. Um denomina, o outro domina. Meu coração já nem tão completamente inteiro vai seguindo por si só, com acelerações de batimento vez ou outra pra quebrar a rotina ( ou quem sabe na ânsia involuntária de criar nova rotina).
Então no fundo a vontade de falar era só um jeito de me resolver, que não, não tem problema. Não tem ninguém mas tem saudade, não tem rancor mas perpetuam resquícios de ciúmes calados, e sorrisos nos lábios quando algum dia estúpido é recordado ao acaso.
Tenho boa memória. Qual é mesmo o nome dele? Hoje eu quero voltar sozinha.A solidão é uma ótima companhia para assistir um seriado e tomar um chocolate quente em casa.  Vi casais no banco de uma praça com flores, achei bonito, devo ter sorrido, me lembrei que já rolou comigo e fui embora, pensando que o amor deve ser mesmo uma coisa muito boa, neste meu sagrado momento, boa de se ver. De lembrar e seguir andando.



De repente, Galícia

Olhei para o espaço além da cama, e fiz meu corpo se levantar aos tropeços, os cabelos qual juba cobrindo os olhos, olhos reduzidos a dois rabiscos dentro do rosto, indecisos de cerrar-se por completo qual linha novamente, ou se forçar a tornar algo parecido com o circulo elipsóide revolução da Terra. Olho aberto não entra sonho, olho fechado não entra realidade. Acordar em um dia de domingo, eis a questão, e eis ao quadrado.
Espio o dia do lado de fora da janela, e tudo é diferente demais, diferente demais pra se pensar, e demais até pra se resolver. No cômodo dos fundos os prédios continuam sendo os prédios, longos, largos, velhos, arquitetura de um tempo que passou e lhes permitiu continuar  a serem bonitos, firmes e acolhedores. Dá arrepio de pensar que um desses prédios me engole inclusive agora. No quarto bagunçado_ e meu_ as cortinas dançam alguma canção muito agitada, e o vento sopra atiçando o movimento, fico olhando sem entender, imaginando o sol que já fez e que deve partir nada antes das dez da noite, a chuva que já caiu e as horas que já se arrastaram e eu em fuga, em pausa e reticências . Hoje eu não sei se vou sair, tem sete dias que eu mudei de ares, água, mar e continente, mas é como se fosse a primeira vez hoje que este lugar chegasse em mim, pelo menos de forma tão definitiva.
Comida de menos, sabores demais; vinho à vontade, vontade que se duplica progressivamente, sono de nada, de sonhos picados, e agora um dia inteiro sem fazer o corpo habitar algum espaço diferente, sendo habitada. É que este espaço agora invadiu minhas entranhas, inundou meus pensamentos, nem sequer os átomos de carbono que respiro são os mesmos, esse lugar chegou em mim, dou boas vindas e assisto-o  à explorar meus cantos mais obtusos. Pensei que fosse eu quem tivesse bagunçado o novo com a confusão de minhas malas, minha propensão a me perder, meu encanto e espanto tão simultâneos, minhas saudades e meus desejos de fincar raiz, mas não, nada disso, foi este lugar quem protagoniza a verdadeira novidade, mexe com minha fome, meu sono, sede e até com os hábitos que aprendi antes mesmo de escrever. É este lugar que fala línguas distintas que soam cada vez mais bonitas, e que solta gaivotas de manhã até de madrugada livremente pelo céu, é este lugar que quer mudar meu humor, minha percepção, minhas referencias, foi esse lugar quem fixou em mim uma morada provisória e já se sente senhor do próprio lar.
Tome o seu tempo, seu fuso, sua demora e sua morbidez. Vou me acostumar (ou talvez não), com a recusa do astro rei de se levantar antes das oito nesta estação, e com a abundância de seus raios quentes bem para lá das seis da tarde. Vou me afeiçoar, à brisa tímida e gelada que vem do mar pela praia; vou me habituar, às línguas rápidas entre os dentes que dizem palavras que pouco a pouco vou aprendendo a repetir. Eu vou morar aqui, aqui já mora em mim, e  bem agora é que percebo novamente a pequenez que me assola, sou tão pouco, tão fresca e tão incompleta, que pode penetrar em mim qualquer amor e idéia, que remetam ao verão, meu pai e senhor, e que gentilmente me dê a mão e me convide a ser feliz de um jeito inédito.  
Lá vamos nós

Corunha 22/08/2015.

              (essa sissa)

Descobrimentos

Eu adoro conhecer gente. Ver traços novos em rostos jamais vistos, reparar brilhos em olhares que a pouco nunca se haviam cruzado, perceber nuances de humor, de cultura, de tradição. Ouvir histórias inéditas, ou mesmo as velhas sobre outro ponto de perspectiva. Adoro sotaques, tiques nervosos, mania de pentear o cabelo pra direita, preferência de vinho, de consenso político, de certo e errado, de bom, de ruim e de celebrar. Gosto mesmo de conhecer gente, mas, tenho que dizer, ‘’descobrir’’ gente ainda é diversas vezes melhor.
Conhecer pessoas não é tão difícil, basta uma curiosidade, um sorriso no rosto, uma simpatia, um ambiente comum ou alguma coincidência qualquer. Pode acontecer na fila do supermercado, no elevador do prédio, na mesa de lado do bar, no banco do lado no ônibus, pela internet ou no meio da estrada de chão com um ukulelê nas costas (sim), e quantos outros mais milhares de possibilidades. Mas descobrir gente é mais difícil, mais profundo também é claro. É que primeiro a gente cobre: de perguntas, de afeto, de presença _ que dia a dia se torna mais freqüente, mais harmoniosa, mas querida_. E depois a gente descobre: uma cicatriz de uma travessura na infância, a comida preferida, o nome do avô, um desacordo, as histórias com os melhores amigos ( e depois propriamente os melhores amigos), o primeiro amor e aquele que a pessoa sente _ todos sentem algum amor, mesmo os que já estão sós a muito tempo, adormecidos ou despertos, os amores escondidos dos outros ,que nos vem a súbito pouco a pouco, são um ótimo diagnostico para saber que se está verdadeiramente entrando no universo de alguém _.
Descobrir alguém é pedir uma sobremesa bem gostosa, partir no meio mais exato, dividir as moedinhas, os sorrisos as interjeições (doces) e saber que jaz criada uma lembrança. Curtinha. Singela. Sincera.
É ter vontade genuína de registrar a companhia, guardando palhetas de violão, conchinhas, terços de mão, bilhetes de cinema, de museu ou de trem, se dispor a ter a sorte de uma foto que ao ser vista (e revista uma dezena de vezes) e pensar: que delicia, de dia, de lugar e de pessoa.
Estar descobrindo alguém nos modifica sempre um pouco, ir compreendendo as distancias e as afinidades, os limites da intimidade, os defeitos, os trejeitos, as genialidades. É como se surpreender até certo ponto com algumas ações, e se sentir acostumado já o suficiente para entender algumas outras reações. É ser solidário com a diferença do outro, preservar a própria distinção e mesmo assim ter vontade de convidar a pessoa pra dar um passeio por aí, ou assistir um filme no notebook, de perguntar como foi o dia (ou já sabê-lo por se estar junto).

Aquela oportunidade que a vida sugere pra que a gente conheça em um só alguém bem mais de um só jeito de sorrir, como caem as lágrimas ou porque é que afinal elas nunca se permitem cair, é compartir impulsos e se sentir seguro para lidar com desencontros que quando vem, são pra mostrar que o encontro existe e que se deve prezar por ele, com respeito, com apreço, com paciência. Ter e reconhecer a paciência do outro. Ser grato pro isso, porque ser grato é o mais justo a se fazer quando o acaso nos dá alguém a quem estudar os gestos e corresponder aos estímulos.

Andanças

Ando inspirada, mas tenho andado demais, tanto que quando paro não sei  bem o que falar, mesmo tendo um turbilhão de coisas me pedindo para ser ditas. A vida me ensinou um novo remédio, de sair caminhando pelas ruas para organizar meus pensamentos, e todos os dias eu deixo meus pés, em algum momento, me levarem a um lugar, ou inclusive a lugar nenhum.
É que pra calar as idéias e equilibrar as sensações é necessário um tanto de silencio e outro tanto de movimento, e quando eu caminho sentindo meu rosto ser tocado pelo vento, eu consigo conversar muda com o universo, e tudo faz sentido, sem razão e sem pretexto.
Quando jogo meu corpo no sofá azul e miro por momentos a fios o teto, as paredes não me deixam me resolver, tagarelas e nostálgicas que são por natureza, tudo que há em ambientes fechados são lembranças, e eu quase não posso me acertar, somente relembro. A verdadeira reflexão exige um pouco de esquecimento, e é por isso que eu sempre remexo minha bagunça para encontrar as chaves e me faço ir, só ir, e vou.
Meu amor já me deu um ultimato pra deixar de existir, a felicidade que comigo fez um compromisso quer me ensinar a viver sem mais sentir, o coração acelerado, o estomago gelado e a mente nas nuvens. Como é possível depois de tanto tempo, eu me pergunto? A vida me responde que apenas é, e que amores nascem e morrem a todo momento pelo mundo. Meus sentimentos moribundos , que já nem me atrapalham, já quase por completo se findaram, os sinto partir, e me despeço sem lágrimas e nem mágoas. Talvez um pouco de saudade, quem é que sabe, tem dias que a gente sente falta de pessoas, outros dias da pessoa que éramos ao lado delas. Quando eu caminho, eu só vivo, perdão aos afetos, que eu os sinta quando os vir, quando o acaso consentir, ou em qualquer madrugada insone dessas no escuro do meu quarto.
Eu nunca mais vou parar, que me pare quem puder, o destino, a sorte, a vontade de ficar, mas por mim mesma escolho caminhar, e perseguir os sonhos que os caminhos me oferecem.

A liberdade que me foi concedida sei que tenho que retribuir, vou deixar tudo isso ir, não há mais nó, laço ou ligação entre o que sou agora e o que passou, então melhor mesmo não tardar, a fazer as honras e dizer adeus. Finalmente me cansei de sentir em solidão, se não tem conserto eu conservo o que foi bom, e vou em direção a essa coisa chamada futuro.

De bem com o amor

A verdade bem verdadeira é que ninguém vai poder dizer o porquê de todas as coisas, e isso não impede que alguns dediquem boa parte de suas vidas e energias tentando fazê-lo. A própria história é assim, alguém que lê uns registros velhos, acha uns objetos desconhecidos e antigos e insiste em inventar algum significado por trás de tudo. Muita coisa pode ser desvendada, felizmente, nem todas elas.
Assim como seria impossível dizer a razão de tudo no mundo, eu não saberia explicar o porque deste começo. O que tem a ver a história com o amor? Qual seria a semelhança entre romances e enigmas? Eu não sei, juro, não faço a menor idéia. Tenho um palpite ou outro que posso soltar numa mesa de bar caso acabe o assunto, mas a minha intenção que é a de declarar a quem interessar saber, que enfim me refiz com esse tal de amor não tem, como a maioria dos acontecimentos no universo ( a meu ver) o menor motivo. Talvez seja questão de tempo, pode muito bem ser que eu apenas tenha me cansado de fazer jogo duro, destino, acaso, o fato de Venus estar dando o ar da graça toda noite, junto da lua. Quem se arrisca a dizer?
Digo logo de começo que a mediadora do fim deste conflito não é uma nova paixão, e sequer uma antiga. Eu apenas acordei num destes dias comuns, onde qualquer coisa pode acontecer _ inclusive nada_ e percebi que alguma coisa havia mudado. Eu possuía os mesmos problemas, e também os mesmos sonhos, o Rio de Janeiro continuava lindo ( e a umas boas horas de distancia de mim), o céu de Brasília continuava encantando, a saudade de Minas permanecia apertando, o futuro persistia em apontar uma chance e um risco, e sabe-se lá porque o amor deixou de ser um problema. Também não era solução. O amor era agora mais uma destas coisas adormecidas, que não se via porque acordar, e nem porque temer que enfim despertasse. Confesso, no entanto, que senti com isso enorme alívio.
Não me leve a mal, mas é que eu sou romântica, e por ser assim, estar brigada com o amor me soava uma ironia tão sórdida que ao cantar Marisa Monte eu me sentia a maior das hipócritas, e quando passava em frente lojas de noivas e parava, como sempre faço, para ver os vestidos, se eu maldizia tudo aquilo, acho que sofri por bom tempo de uma ligeira invejinha branca.
Eu simplesmente parei de me preocupar e de me importar, tudo ao mesmo tempo.  E ver casais se beijando em bancos de praça não me faz mais fazer careta. Me pego rindo de mim mesma, estou de verdade, longe de querer ser uma dessas pessoas que sai por aí numa manhã de domingo com as mãos enlaçadas nas de outra alguém, mas isso também não quer dizer que eu precise necessariamente ser a pessoa que terá numa das mãos um copo de dry Martine, numa madrugada de sábado.
Eu agora posso ser quem eu quiser, e percebi que o que mais me agrada é falar, cantar e tocar o amor, não o meu, pois que realmente não o tenho, mas este que está por aí, e que alguém pegou pra si por sentir que era o momento exato. Este é o meu momento, de ser o narrador dos contos de outro alguém, o trovador, o musicista, este é o meu momento de assumir sem vergonha alguma, que sou mesmo um desses poetas que não aprendeu a amar, mas ora, são apenas duas décadas de vida, e uma infinidade de canções pra acalentar o amor de quem o sentir. E quem disse que quem não tem amor é infeliz? Descobri que tenho o amor que mereço e que sempre quis, um violão nas costas, umas canções de cor na mente e o mundo inteiro pela frente. ( Sigo, cantando).



 

Só devaneios, eis o que são

Já faz um tempo que me retorna a vontade de escrever,meio que leve e descomprometida mente,pensei primeiro de que se tratassem de coisas que ninguém mais devesse ver , mas depois me dei conta de que eram só coisas que faziam demasiado sentido a mim,e que se por acaso o fizessem a mais alguém, não haveria problemas em servir de atalho.
Se felicidade é só questão de ser eu me declaro como um ser feliz, ainda com toda angústia e medo que tem me visitado com certa freqüência,e ainda não sei muito bem se o maior temor é de que haja um dia a impossibilidade de continuar a ser assim, ou de ver quem eu amo igualmente perdido. Pra ser sincera, os pesares são mais sobre a incapacidade de fazer feliz,isso aos poucos mata por dentro.Contudo,ainda tenho fé,uma vozinha interior me sopra aos ouvidos que jamais deixarei de ter.
Depois de ler que músicas tristes inspiram ironicamente sentimentos positivos,me sinto leve para ouvir uma balada sobre amores alheios, sobre queixas intimistas e histórias que desconheço, me desligo de mim, para assim respirar enfim.
A vida que eu sonhei pra mim, em certos pontos ela se encaixa na realidade, mas esses dias em menos detalhes que o normal. Mas a vida que eu peço nem é assim tão extraordinária,é uma bem comum,que como a que já vivo,teria os seus momentos de torpor e de intensidade e no mais seria leve e passageira,breve.
Só imagino o quão bom seria,e clamo ao universo em silêncio sobre a possibilidade de que se realizasse,que as preocupações fossem mais brandas,as dúvidas menos devastadoras,os fatos menos cruéis. Que os desafios fossem rotineiros,problemas de matemática,de dialética,de gramática, que a convivência fosse mais fácil, o entendimento mais possível, e as contas não pesassem tanto,que as dívidas se acabassem,e que houvesse o que de bom se guardar.Um pouco de segurança,um pouco de chance de não ter de se pensar em segurança também.
Torno a sentir o alívio de escrever,uma queixa sem ser queixa,e nenhum anseio parece irreal ou soberbo demais,são só devaneios,eis o que são.

Pés no chão para tudo que resta,e um frio na barriga para o que está a espera,uma esperança como reserva,e uma oração como promessa.

Pois é

                                       Às vezes eu sinto falta dos primeiros amores, de sua pureza de intenções e facilidade de reciprocidade. Naquela época tudo parecia mais natural, e mesmo sem a menor experiência a gente sabia o que fazer. Na era de pedidos de namoro, de encontros depois da escola, sorvete, filme,  jogo de futebol, tudo fluía quando tinha que fluir, sem as pressas, as fobias e os receios que vão se grudando em nós irreversivelmente. Nos tornando algo mais frios, insensíveis e incrédulos. Acho que eu fiquei assim também.
Com o passar do tempo a gente vai descobrindo a verdadeira intimidade, e vê que é mais intimo andar de mãos dadas com alguém que vê-lo nu. Começamos a nos dar conta de que haverão possivelmente, espalhadas pelo mundo, dezenas de pessoas com quem poderíamos passar noites em claro conversando, dançando, tocando, mas me atrevo a dizer que nem da metade delas toleraríamos a sinceridade do silencio.
A verdade é que nossos amores antigos, meninos, cheirando a broto e a incompreensão, nos tornaram algo mais completos, e o tempo que nos abstemos deles acaba por nos amadurecer ainda mais. Somos mais inteiros, dizemos aos outros que nos conhecemos, damos nossos números de telefone só a quem queremos e não nos permitimos mais devaneios desnecessários. Pode até ser, mas quem tanto assim se tem, mais medo tem de se perder, e aquele ‘’por que não?’’ a que tanto nos atrevíamos, pouco a pouco vai dando um lugar para um automático ‘’melhor deixar pra lá’’.
 Já não podemos mais criar personagens em cima de pessoas e vivermos com elas historias de contos de fadas. As pessoas são quem são, não quem gostaríamos que elas fossem. Não é que seja mais difícil agora gostar de alguém, mas é somente, que a partir de agora é mesmo pra valer. Tem um mundo inteiro existindo em cada um, isso jamais deixara de cedo ou tarde atrair o interesse, mas com a chance tão mais simples, de visitar esses mundos por um par ou dois de encontros, acaba soando mais confortável fazer turismo nos universos alheios que ir desbravar seus verdadeiros mistérios. Eu sempre fico me perguntando depois o que iria descobri, só que nunca mais isso me fez seguir a diante.


A verdade é que eu acabei de aprender a caminhar. Sim, depois de vinte anos subindo as ladeiras de Minas, andando de baixo do sol de Taguatinga, percorrendo areias brancas e me esgueirando em copas de jabuticabeiras, eu aprendi a caminhar. O curioso é que pra aprender tenha que ter percorrido, a pé, alguma coisa além de 85 km.
Fizemos o caminho ao revés, saindo de Santiago de Compostella e indo a Finisterre. Ouvi falar de muitos peregrinos, que terminar o caminho dentro da gigantesca e maravilhosa catedral  de Santigo era como chegar aos céus, depois de vir do fim da Terra. Não fui eu que escolhi as rotas, imagine, nunca fiz nada parecido na vida até então, mas achei digníssimo do acaso nos propor aquele trecho contrário. Não queria nada diferente. Foi perfeito. E de algum jeito algo em mim me faz crer que aquele templo sagrado da obra romântica mais importante da Espanha, tinha de fato que ter sido o começo. Precisava orar, precisava pedir por força e já agradecer por tamanha beleza diante dos meus olhos, fazer um pedido de proteção. E assim o fiz.
No começo a mochila parecia pesar mais, e as costas não demoraram muito a doer, os pés experimentaram as primeiras bolhas logo nos primeiros 20 km, pareceu mais difícil insistir com os morros sem fim. Muitos morros , não saberia dizer quantos. Fizemos o caminho entre montanhas e me flagrei pensando nas viagens de carro feitas na infância, em que olhava os montes e montanhas verdes e sentia aquele desejo de estar lá, bem no topo. Enfim estava no topo daqueles montes, e era mais bonito do que eu podia imaginar, com muito verde sim, cachoeiras, bicas de água nascente, passarinhos cantando, samambaias verde musgo e mata fechada. Mas claro, subir tem lá seu preço, e me custou o fôlego, coxas latejantes e uma nuca rígida quais as pedras em que pisava. Mas, algo sobre peregrinações é que todos passam pelo mesmo caminho, tem as mesmas dores e chateações, experimentam das mesmas dificuldades do caminho, mas continuam, e sempre que podem, deixam recadinhos no caminho. ‘’Love is my religion’’, ‘’ Animo’’, ‘’ Vamos equipo morena’’ e tantas outras ficaram na fotografia e na lembrança. As pedras do caminho de Santiago são todas cheias de nomes e segredos, dos peregrinos que assistiram passar.
Depois as paradas pareciam mais revigorantes, e tenho a sorte de dizer que cada descanso foi muito bem aproveitado. Apanhar cachos de uva de parreiras carregadas, pêssegos e maçãs, beber água das fontes naturais e potáveis do caminho (a água mais gelada e pura que jamais antes provara) e encher as mãos de amoras selvagens. Também não me abstive de me refrescar, fazia calor, e muito, o sol queimava minha pele e fazia suar, então bem vindos foram os riachos, e as cascatas geladas limparam o corpo e a alma.
A cada povoado em que entravamos uma nova vontade de voltar um dia e passar mais tempo por lá. ‘’Pueblos’’ pequenos, alguns com menos de duas mil pessoas, com casas floridas, antigas, gente nos portões de casa com seus cães robustos, desejando aos viajantes bom caminho. Sim, muito desta viagem e desta gratidão tem a ver com esses votos que ouvi por tantas vezes:’’ Bon Camino! Buena Suerte!’’
Cheiro de campo, de verde, de fazenda, de vinho sendo feito e queijo curado, enchi meus pulmões o quanto pude com aquele ar úmido e natural. Não tardou muito a chover, mas quando assim foi, já no quarto dia, eu não me importei, o frio não incomodou tanto assim no fundo, nem das chuvas e nem das noites congelantes nos albergues. Frio e calor, nunca mais os sentirei da mesma forma.
A respeito das pessoas, meu Deus, cada uma merecia seu próprio texto. Cada uma de uma nacionalidade, de um povo, de um roteiro, de um encanto, de uma trajetória. Fiz tudo que pude para aprender com seus silêncios e com os momentos que compartilhamos andando lado a lado, fazendo as refeições juntos nos albuergues e tudo que isso envolve, desde o processo de cozinhar juntos, dividir a limpeza das louças, a música que tocávamos e os contos que revelávamos .Brasil. Polônia. Alemanha. Áustria.Espanha. Kênia. França. Itália, Itália, Itália e Itália mais uma vez. A primeira porque houve um encontro curioso: em todas as cidades que passávamos acabávamos por nos encontrar com a mesma senhora italiana, sempre caminhando sozinha, na estrada desde a França. E os outros três porque a vida fez de novo, me deu mais três amigos e mais três saudades. Gratidão. Nem sei dizer, mas penso que ‘’ no passa nada’’.
Aprendi muito sobre caminhar junto, e vi que quando a gente sabe pra onde vai tudo é mais simples e mais leve, somos mais bem resolvidos e mais independentes. As vezes a gente é quem vai na frente, outras vezes quem fica pra trás. Mas todo mundo tem seu ritmo, e todo ritmo tem que ser respeitado. Saber andar junto é desfrutar daqueles raros momentos em que seus passos e os de outro alguém se movem na mesma freqüência, desfrutar da oportunidade de ouvir e falar, compartilhar inclusive o silêncio. Logo depois, quando acontece do cansaço chegar primeiro em um dos companheiros, ou das dores se intensificarem, alguma coisa pelo trajeto pedisse uma atenção e uma foto, cada um novamente, por si próprio. Ajudando é claro, revezando quem carrega a água, motivando com palavras, dividindo os alimentos e entendendo as necessidades. Reciprocidade. Cuidado.Carinho.Generosidade. E individualidade também, porque não adianta, é você que vai até onde quer chegar, e ninguém jamais poderá fazer isso em seu lugar.
Enfim, o mar. Exuberante. Grandioso. De cair o queixo. Depois de quatro dias andando, acordando cedo e dormindo tarde, teimando com os pés por pelo menos sete horas por dia, amando cada campo de girassóis, fazendo fotos das flores e dos cata-ventos, enfim o mar! Finisterre é mesmo o fim do mundo e também o lugar mais incrível que meus pés já me levaram. Uma vez no faro, um ukulele nas mãos ( que meigo é esse tal de acaso) e um céu estrelado em cima da cabeça, aprendi a caminhar e soube que tinha aprendido.
Tenho a cena gravada na memória, de olhar o mar, deixar cair uma lágrima nos olhos e ter a sensação, de que era Deus_ e eu sei que era_ que me olhava de volta.