Passei boa parte de minha infância aqui nessa
cidade.Funcionava mais ou menos como meu retiro particular de férias.
Naquela época em que contava ansiosamente as horas para
terminarem as aulas , pra vir pra cá , brincar com as panelas artesanais da
minha tia , tomar sorvete liberado , nadar no córrego e andar a cavalo.
Nunca imaginei que eu viesse parar aqui , morar aqui . Muito
menos que esse lugar se tornaria berço de tantas coisas essenciais na minha
vida. As amizades que fiz , os sonhos que troquei , tudo que pude aprender , o
quanto cresci.
Essa cidadezinha que eu costumava dizer ser feita para
bonecas. Pela simetria dos detalhes dos casarões antigos , nas pedras sabão,
que sempre achei charmosas, e os becos floridos o ano inteiro.
É um outro lado das minhas Minas , um mais quente , mais ‘’apimentado’’. Confesso que nunca me acostumei com a mania do tempero de pimenta e coentro , mas não sei como vivi tanto tempo sem pamonha , queijadinha e desmamada.
Conheci o hábito gostoso de conversar no portão de casa ,
aprendi a gostar de cavalgada , achei lindo a tal da catira.
Ás vezes deixo o meu olhar se perder cruzando as velhas
ruas, os portões enormes e as muitas janelas das casas. Se estas paredes
falassem , imaginem só quantas memórias teriam para contar. Um tempo passado
que permanece intacto , pelo espontâneo esmero , que se dá a arte de preservar
a história de cada coisa.
Coloquei meus pés aqui por motivos que desconheço , mas
aquilo que rege meus passos , uma vez determinou que aqui daria continuidade à
minha caminhada , por enquanto.
É claro que eu muito tenho saudades das minhas serras gerais
e das Lavras, meu cantinho gelado do outro lado do estado. Saudade da cidade
das escolas e dos ipês, que eu tanto aprendi a amar.
Assim como também sinto , um pouco a cada dia , a falta do
mar. O apreço que tenho pelas ‘’velas do mucuripe’’, a areia branca do Meireles
, cenário que se fez a mim verdadeira Fortaleza.
É assim a vida de quem muito anda , e sabe no íntimo que
muito ainda se tem que andar.Tatuando meu coração de rostos , minha identidade
é formada por gostos e carinhos de cada lugar.
Uma vez ouvi falar , que quando se deixa o coração em um
canto , a gente sempre volta. E se é assim , vou quebrá-lo em mil pedacinhos ,
e deixá-los no caminho , pra nunca esquecer pra onde ir .
Penso comigo ser esse o verdadeiro sentido da liberdade ,
rodar o mundo até que a saudade ordene a vontade , pra que se volte e depois
que se vá.
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