Tem uma caneca quase cheia de café na minha escrivaninha e
uma coroa na minha cabeça.O café é para avisar o sono que esta noite ele pode
se atrasar e se resolver não vir,só hoje,eu vou entender,e a coroa foi a única
presilha que encontrei para impedir que meu cabelo cobrisse meus olhos.Foi um
erro de cálculo de alguns meses atrás,centímetros a mais no corte de
cabelo,horas de estudo ou atenção a menos à economia e suas vertentes.Ainda
assim,eu gostei do corte e estudei a matéria,os ajustes se fazem agora a seu
preço,que são um pouco mais de café e um pouco menos de sono,além de uma franja
presa às cegas por um enfeite de cabelo de baile a fantasia.
Beberiquei a bebida escura e fechei a janela na ilusão de
impedir que se esfriasse,mas aí está o inevitável,e frio ou quente me importa
mais o estímulo da cafeina que a temperatura,e neste momento em particular,um
breve intervalo para a literatura.
Espirraram duas gotinhas marrons no papel branco,achei
charmoso,se fosse em cima dos meus números seria dor de cabeça,mas,sendo
assim,incorpado a um texto está tudo bem,ainda que não pudesse ler uma palavra
ou outra o sentido não me escapa,porque ao mesmo tempo que escrevo na folha do
caderno,as palavras se gravam em minha
memória,qual tatuagem grafada na pele.
Tenho certa norma ética para com meus devaneios,só permito
consenti-los pelos melhores motivos _aí me vem a mente o ditado que diz que de
boas intenções o inferno está cheio_ . Tudo
bem falar com a mãe e as tias e contar as saudades,comentar o sucesso singelo
de uma nota alta ou uma tarde divertida,que ganha muito mais sentido quando
contado a alguém que está longe,estando perto.Também não vejo problema em
narrar experiências de quase morte,como me engasgar com chicletes no ônibus
lotado,e pra não deixar o assunto morrer sem justa causa,falar do tempo,que é
de chuva,e como as poças d’água são incrivelmente atraídas para minhas calças
claras e como se alojam facilmente nos vãos do meu all star.
Talvez eu tenha ligado para procrastinar os cálculos,mas
também é verdade que liguei porque estou feliz e tudo o que resta a alguém
feliz é compartilhar o sentimento a quem a gente sempre sabe que é culpado de
um jeito ou de outro por isso.A gente diz as coisas boas,esperando ouvir outras
melhores,e sente um bem danado desejando ao outro um bem dobrado.
Tomei o café,gelado,acho que vou recorrer à garrafa térmica
uma segunda vez.Aos que quero bem e agora dormem,bons sonhos,a mim e meus
encargos noturnos,realidade,o melhor que ela puder ser.
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