Aí você surge das sombras mais doces do passado e me
pergunta o que é que eu tenho feito da minha vida, penso em milhares de
acontecimentos e coisas em que poderia acabar te falando, mas tudo o que
consigo dizer em um primeiro momento é que eu bebo chá. Não me leve a mal por
isso, não é que eu não queira render o assunto ou que não queira conversar, eu
poderia muito bem te dizer um algo mais, que encontrei um novo sabor, ‘’Vanilla
da África’’, e que semana passada fiquei entre Manzanilla e gengibre com mel,
que geralmente bebo o liquido sem colocar nada, mas dependendo do meu humor
coloco um torrão de açúcar só pra dar um gostinho adocicado quando a xícara vai
se esvaziando.
Não é que a minha vida esteja tão desinteressante a ponto de
que uma bebida quente e meio amarga seja a parte mais sólida da minha rotina, e
na verdade é exatamente o contrário. É que tem dias que eu não saio de casa, e
em outros dias eu conheço várias pessoas, assisto uma aula de economia
espanhola, vejo o sol se por na praia, caminho por ruas jamais então
percorridas, vivo, escuto e presencio histórias dos mais diversos temas com
personagens alguns mais familiares, outros um tanto quanto inusitados. Cada dia
é um dia diferente. Eu como, ando, escuto, estudo, amadureço, eu rio, choro, canto
e de vez em quando até escrevo, eu adoeço, me recomponho, danço, me atrevo,
falo português, espanhol, inglês e arranho um galego, e o chá é uma das únicas
certezas que eu tenho ao final do cada dia, como um dejavú diário que me serve
pra pensar em tudo o que é que a vida tem feito de mim.
Me inscrevi em um curso de polonês, faço meditação as
segundas feiras, junto meus trocados para provar um quitute novo na padaria da
esquina, mas como é que eu vou te dizer detalhes, se o detalhe é que a gente a
tanto tempo nem se vê. O que é que eu deveria te dizer? Que as temperaturas
baixam gradativamente, e a chuva se repetem em algum momento ao longo de todas
as tardes, ou que me espantam as noticias sobre essa espécie de guerra já nem
tão mais silenciosa, feita em atos de terror, e isso me afeta tanto com medo e
com tristeza? Será que melhor seria se eu lhe contasse sobre aquele céu
estrelado que eu vi, numa cidadezinha por aí, com duas estrelas cadentes e as
constelações a mostra, e que isso me fez me sentir a menor pessoa do mundo, e
também a mais sortuda? Será que eu deveria comentar algo que aprendi sobre a
cultura oriental, ou como afinal somos ,por todo esse planeta, mais parecidos
do que poderíamos julgar, e que ainda assim, são as nossas diferenças o que
mais chocam, entre surpresas e exclamações? Eu não sei, e a resposta do chá,
volta a parecer a mais precisa e honesta que eu poderia lhe dar afinal.
A verdade é que muito me agradaria ter um pouco de você por
algum dia, pra que enfim pudéssemos falar de coisas em comum. Poderíamos, por
pelo menos um momento, dividir o mesmo espaço e o mesmo tempo, pra que essa
conversa de como vai fosse menos verbal e mais direta, em que saberíamos o que
dizer por que finalmente nossos universos seriam os mesmos, por algum tempo.
Mas você não vem, eu não vou, não há encontro, não sei como
te contar o que a vida vem me propondo, e nem sequer posso lhe oferecer com
muito gosto, uma xícara de chá quente antes de dormir.
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