Eu não quero ser mais um vegetal no sofá da casa, qualquer
coisa no lugar de uma almofada ou um pedaço estático de carne que imite um
móvel contemporâneo pras visitas entrarem e perguntarem do que se trata. Eu não
quero, não enquanto bombas e outras coisas explosivas acontecem do outro lado
da janela, e a única janela que meu olhos fitam são de um website de vôos
baratos e um achado do Google que diz o que se deve comer para frear a saída
dos fluídos do corpo.
Mas é que as vezes as minhas dietas malucas se voltam contra
mim, e o tempo muda, a temperatura baixa, e as bagunças externas que me tocam
se juntam as internas que se tornam, moléstias e queixas do lado de dentro do
meu umbigo, e a dor passa a ser uma companhia eventual.
Ficar doente é lembrar que o corpo é tão objeto quanto
qualquer souvenir que se tenha guardado no criado mudo, que mesmo mudo vomita
um caos pra fora, de coisas que não se comportam. Eu , e o criado mudo, não
podemos mais com essas coisas esquisitas pedindo pra sair, e sem pestanejar nos
abrimos ao deus-dará, cuspindo papéis e jantares de antes de ontem.
Essa carne da qual sou formada é mais fraca do que se
supunha, mas não é de se jogar fora não, digas-se de passagem, eu subestimei
essa existência mais uma vez, com toda juventude e tolice que pude, veio um ser
microscópico me lembrar que eu sou tão pó quanto a sujeira que deixei acumular
nas frestas externas da janela do quarto.
Me ligaram dizendo que é urgente! E o mundo vai se acabar se
eu não tomar uma injeção, soro, cuidado, cuidado inclusive com aglomerações,
que estão bombardeando Paris e detonando vales inteiros na minha casa, e onde
quer que eu vá há risco de corrupção, desemprego, troca de tiros, de bactérias
e de discursos de ódio. Se eu ficar ou for embora dá no mesmo, mas o que não me
pode acontecer é deixar de beber três litros de água por dia, se não, já sabe.
Faz assim, se você passar por aqui, seja quem for, apaga a
luz, que a dor de cabeça é de matar, queria poder culpar o vinho, mas a culpa é
do organismo, que nem água e nem vinho querem segurar. Então como o silencio
veio me assistir pelas ultimas horas, coloquei Smiths pra tocar, me esqueci
como é ficar tanto tempo assim tão perto de alguém.
São esses contínuos e cretinos movimentos peristálticos, e o
espelho pouco delicado mas muito sincero que me mostrou o rosto amarelo que eu
vim a lembrar que é o meu.
Depois de três dias, vinte analgésicos, dezenas de copos de
chá que infelizmente não são de borracheira, centenas de orações, simpatias e
mandingas, me levanto da cama como quem levanta uma taça da copa, depois de 7 a
0 no campo do time rival. Eu estou bem, muito bem obrigada, e não te respondi
as mensagens porque estava ocupada em não morrer, e ás vezes isso é tarefa que
muito me demanda.
Eu não quero ser mais um vegetal na sala, que ouve noticias
sórdidas do mundo e não pode fazer nada, e entre a árdua tarefa de descobrir em
qual posição as fincadas são mais brandas ,reflete as questões desse
acontecimento universal chamado humanidade. Pra bon sai e ermitão eu não sirvo,
apesar de saber que seja com o mundo, ou seja comigo, a questão sempre estará
na formação desnecessária e ininterrupta de merda.
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