domingo, 28 de fevereiro de 2016

Janelas, doenças e criados mudos

Eu não quero ser mais um vegetal no sofá da casa, qualquer coisa no lugar de uma almofada ou um pedaço estático de carne que imite um móvel contemporâneo pras visitas entrarem e perguntarem do que se trata. Eu não quero, não enquanto bombas e outras coisas explosivas acontecem do outro lado da janela, e a única janela que meu olhos fitam são de um website de vôos baratos e um achado do Google que diz o que se deve comer para frear a saída dos fluídos do corpo.
Mas é que as vezes as minhas dietas malucas se voltam contra mim, e o tempo muda, a temperatura baixa, e as bagunças externas que me tocam se juntam as internas que se tornam, moléstias e queixas do lado de dentro do meu umbigo, e a dor passa a ser uma companhia eventual.
Ficar doente é lembrar que o corpo é tão objeto quanto qualquer souvenir que se tenha guardado no criado mudo, que mesmo mudo vomita um caos pra fora, de coisas que não se comportam. Eu , e o criado mudo, não podemos mais com essas coisas esquisitas pedindo pra sair, e sem pestanejar nos abrimos ao deus-dará, cuspindo papéis e jantares de antes de ontem.
Essa carne da qual sou formada é mais fraca do que se supunha, mas não é de se jogar fora não, digas-se de passagem, eu subestimei essa existência mais uma vez, com toda juventude e tolice que pude, veio um ser microscópico me lembrar que eu sou tão pó quanto a sujeira que deixei acumular nas frestas externas da janela do quarto.
Me ligaram dizendo que é urgente! E o mundo vai se acabar se eu não tomar uma injeção, soro, cuidado, cuidado inclusive com aglomerações, que estão bombardeando Paris e detonando vales inteiros na minha casa, e onde quer que eu vá há risco de corrupção, desemprego, troca de tiros, de bactérias e de discursos de ódio. Se eu ficar ou for embora dá no mesmo, mas o que não me pode acontecer é deixar de beber três litros de água por dia, se não, já sabe.
Faz assim, se você passar por aqui, seja quem for, apaga a luz, que a dor de cabeça é de matar, queria poder culpar o vinho, mas a culpa é do organismo, que nem água e nem vinho querem segurar. Então como o silencio veio me assistir pelas ultimas horas, coloquei Smiths pra tocar, me esqueci como é ficar tanto tempo assim tão perto de alguém.
São esses contínuos e cretinos movimentos peristálticos, e o espelho pouco delicado mas muito sincero que me mostrou o rosto amarelo que eu vim a lembrar que é o meu.
Depois de três dias, vinte analgésicos, dezenas de copos de chá que infelizmente não são de borracheira, centenas de orações, simpatias e mandingas, me levanto da cama como quem levanta uma taça da copa, depois de 7 a 0 no campo do time rival. Eu estou bem, muito bem obrigada, e não te respondi as mensagens porque estava ocupada em não morrer, e ás vezes isso é tarefa que muito me demanda.

Eu não quero ser mais um vegetal na sala, que ouve noticias sórdidas do mundo e não pode fazer nada, e entre a árdua tarefa de descobrir em qual posição as fincadas são mais brandas ,reflete as questões desse acontecimento universal chamado humanidade. Pra bon sai e ermitão eu não sirvo, apesar de saber que seja com o mundo, ou seja comigo, a questão sempre estará na formação desnecessária e ininterrupta de merda.

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