Olhei para o espaço além da cama,
e fiz meu corpo se levantar aos tropeços, os cabelos qual juba cobrindo os
olhos, olhos reduzidos a dois rabiscos dentro do rosto, indecisos de cerrar-se
por completo qual linha novamente, ou se forçar a tornar algo parecido com o
circulo elipsóide revolução da Terra. Olho aberto não entra sonho, olho fechado
não entra realidade. Acordar em um dia de domingo, eis a questão, e eis ao
quadrado.
Espio o dia do lado de fora da
janela, e tudo é diferente demais, diferente demais pra se pensar, e demais até
pra se resolver. No cômodo dos fundos os prédios continuam sendo os prédios,
longos, largos, velhos, arquitetura de um tempo que passou e lhes permitiu
continuar a serem bonitos, firmes e
acolhedores. Dá arrepio de pensar que um desses prédios me engole inclusive
agora. No quarto bagunçado_ e meu_ as cortinas dançam alguma canção muito
agitada, e o vento sopra atiçando o movimento, fico olhando sem entender,
imaginando o sol que já fez e que deve partir nada antes das dez da noite, a
chuva que já caiu e as horas que já se arrastaram e eu em fuga, em pausa e
reticências . Hoje eu não sei se vou sair, tem sete dias que eu mudei de ares,
água, mar e continente, mas é como se fosse a primeira vez hoje que este lugar
chegasse em mim, pelo menos de forma tão definitiva.
Comida de menos, sabores demais;
vinho à vontade, vontade que se duplica progressivamente, sono de nada, de
sonhos picados, e agora um dia inteiro sem fazer o corpo habitar algum espaço
diferente, sendo habitada. É que este espaço agora invadiu minhas entranhas,
inundou meus pensamentos, nem sequer os átomos de carbono que respiro são os
mesmos, esse lugar chegou em mim, dou boas vindas e assisto-o à explorar meus cantos mais obtusos. Pensei
que fosse eu quem tivesse bagunçado o novo com a confusão de minhas malas,
minha propensão a me perder, meu encanto e espanto tão simultâneos, minhas
saudades e meus desejos de fincar raiz, mas não, nada disso, foi este lugar
quem protagoniza a verdadeira novidade, mexe com minha fome, meu sono, sede e
até com os hábitos que aprendi antes mesmo de escrever. É este lugar que fala
línguas distintas que soam cada vez mais bonitas, e que solta gaivotas de manhã
até de madrugada livremente pelo céu, é este lugar que quer mudar meu humor,
minha percepção, minhas referencias, foi esse lugar quem fixou em mim uma
morada provisória e já se sente senhor do próprio lar.
Tome o seu tempo, seu fuso, sua
demora e sua morbidez. Vou me acostumar (ou talvez não), com a recusa do astro
rei de se levantar antes das oito nesta estação, e com a abundância de seus
raios quentes bem para lá das seis da tarde. Vou me afeiçoar, à brisa tímida e
gelada que vem do mar pela praia; vou me habituar, às línguas rápidas entre os
dentes que dizem palavras que pouco a pouco vou aprendendo a repetir. Eu vou
morar aqui, aqui já mora em mim, e bem
agora é que percebo novamente a pequenez que me assola, sou tão pouco, tão
fresca e tão incompleta, que pode penetrar em mim qualquer amor e idéia, que
remetam ao verão, meu pai e senhor, e que gentilmente me dê a mão e me convide
a ser feliz de um jeito inédito.
Lá vamos nós
Corunha 22/08/2015.
(essa sissa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário