domingo, 28 de fevereiro de 2016

De repente, Galícia

Olhei para o espaço além da cama, e fiz meu corpo se levantar aos tropeços, os cabelos qual juba cobrindo os olhos, olhos reduzidos a dois rabiscos dentro do rosto, indecisos de cerrar-se por completo qual linha novamente, ou se forçar a tornar algo parecido com o circulo elipsóide revolução da Terra. Olho aberto não entra sonho, olho fechado não entra realidade. Acordar em um dia de domingo, eis a questão, e eis ao quadrado.
Espio o dia do lado de fora da janela, e tudo é diferente demais, diferente demais pra se pensar, e demais até pra se resolver. No cômodo dos fundos os prédios continuam sendo os prédios, longos, largos, velhos, arquitetura de um tempo que passou e lhes permitiu continuar  a serem bonitos, firmes e acolhedores. Dá arrepio de pensar que um desses prédios me engole inclusive agora. No quarto bagunçado_ e meu_ as cortinas dançam alguma canção muito agitada, e o vento sopra atiçando o movimento, fico olhando sem entender, imaginando o sol que já fez e que deve partir nada antes das dez da noite, a chuva que já caiu e as horas que já se arrastaram e eu em fuga, em pausa e reticências . Hoje eu não sei se vou sair, tem sete dias que eu mudei de ares, água, mar e continente, mas é como se fosse a primeira vez hoje que este lugar chegasse em mim, pelo menos de forma tão definitiva.
Comida de menos, sabores demais; vinho à vontade, vontade que se duplica progressivamente, sono de nada, de sonhos picados, e agora um dia inteiro sem fazer o corpo habitar algum espaço diferente, sendo habitada. É que este espaço agora invadiu minhas entranhas, inundou meus pensamentos, nem sequer os átomos de carbono que respiro são os mesmos, esse lugar chegou em mim, dou boas vindas e assisto-o  à explorar meus cantos mais obtusos. Pensei que fosse eu quem tivesse bagunçado o novo com a confusão de minhas malas, minha propensão a me perder, meu encanto e espanto tão simultâneos, minhas saudades e meus desejos de fincar raiz, mas não, nada disso, foi este lugar quem protagoniza a verdadeira novidade, mexe com minha fome, meu sono, sede e até com os hábitos que aprendi antes mesmo de escrever. É este lugar que fala línguas distintas que soam cada vez mais bonitas, e que solta gaivotas de manhã até de madrugada livremente pelo céu, é este lugar que quer mudar meu humor, minha percepção, minhas referencias, foi esse lugar quem fixou em mim uma morada provisória e já se sente senhor do próprio lar.
Tome o seu tempo, seu fuso, sua demora e sua morbidez. Vou me acostumar (ou talvez não), com a recusa do astro rei de se levantar antes das oito nesta estação, e com a abundância de seus raios quentes bem para lá das seis da tarde. Vou me afeiçoar, à brisa tímida e gelada que vem do mar pela praia; vou me habituar, às línguas rápidas entre os dentes que dizem palavras que pouco a pouco vou aprendendo a repetir. Eu vou morar aqui, aqui já mora em mim, e  bem agora é que percebo novamente a pequenez que me assola, sou tão pouco, tão fresca e tão incompleta, que pode penetrar em mim qualquer amor e idéia, que remetam ao verão, meu pai e senhor, e que gentilmente me dê a mão e me convide a ser feliz de um jeito inédito.  
Lá vamos nós

Corunha 22/08/2015.

              (essa sissa)

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