Quantos pensamentos cabem no tragar de um cigarro? Me faço
essa pergunta mentalmente, enquanto acendo um que acabei de adquirir na banca aqui
bem em frente ao trabalho. Antes não tivesse descoberto a existência da banca e
de local mais fortuito pra devanear no meio de um expediente morno em véspera
de coisas maiores, mas enfim, descobri, e troquei uma moeda de um real, enfiada
na bolsinha de palha, num careta de desculpa pra alguma distração qualquer.
Penso no livro que estou lendo, ‘’A consciência de Zeno’’, e
do que o próprio Zeno, personagem principal e fumante, diria agora sobre o
fumo, incitando por ora o vício, por ora afastando-o. Tem certa graça. Para
Zeno parte importante dos cigarros que fumava eram sempre os últimos, monte
deles, aquele me soou assim também. Apesar de não ter sido.
Mas depois penso no
Trump que semana passada liderava as intenções de votos, mas que graças a Deus
essa semana a Hillary já subiu novamente, o que me obriga a um suspiro cheio de
fumaça, e fico achando que o mundo de certa feita está um pouco menos perdido.
Penso na loucura da França e dos atentados de que tem sido
alvo, e naquele comentário do professor que o país corre um severo risco de
tornar-se mulçumano dentro em breve. Partidos de extrema direita de um lado,
facções terroristas islâmicas do outro. Trago, com medo, mas por sorte lembro a
notícia que dizia de mulçumanos que assistiram missas a fim de demonstrar que
sua religião nada tem a ver com essas pavorosas ondas de terror. Mais um
suspiro esfumaçado.
Penso nas visitas gostosas que andei recebendo em casa, e
como já deixam saudade, do final de semana que me pôs a assistir o sol se por e
nascer, sem nem pensar em fechar os olhos, só apreciar o espetáculo de mais uma
rotação terrestre.
Me indago sobre o prazo demasiadamente prolongado dessa
greve dos metroviários; recordo que o salário já deve ter caído, contas pra
pagar, lugares que quero ir, coisas a agradecer, a fazer, a resolver, como
tentar enfim. Nunca pegarei o jeito certo (assim espero) de fazer caírem as
cinzas do cigarro, mas insisto numas batidinhas trôpegas pra ver a matéria
queimada cair no chão.
E aí me vem o pensamento àquele moço que está longe, parece
que acordo bem neste momento. Jogo a bituca no chão; segundo mau hábito
descrito, pensando bem talvez o terceiro; e piso em cima mais por mania que pra
apagar de fato a última chama tímida que restou. E me ajeito pra voltar, pra
expedientes, tédio, seja lá o que for. Cigarros e pensamentos picados e seus
efeitos sobre a tensão na minha nuca.
É que pensar nele me custaria moedas que não tenho, pra
cigarros que não penso em fumar, os pulmões em brasa e todo o resto do peito
também, e a saudade que vem junto do som do seu nome na minha cabeça. Eu
perderia as horas, as contas, talvez até o ônibus pra voltar pra casa. Mesmo
que eu quisesse ,tenho de evitar seu pensamento pra me recompor e seguir
vivendo por aí.
E sigo como se nada tivesse acontecido, e se chegar a sentir
culpa, paro um pouco e me engano, dizendo que quase não fumo e que quase não
amo, como se de pouco em pouco a gente não se matasse do melhor jeito que escolheu pra si.
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